a morte muitas vezes anunciada da ópera, por quem se importa com ela, não chegou aos ouvidos de quem a mata.
a ceifadora segue ao largo desse debate, ciente dos rumores, mas do alto de sua experiência, avalia que o corpo ainda está quente. não tão quente, nem tão jovem, nem tão sadio, com certeza; mas ainda pulsa, e é o suficiente para que ela não faça sua aparição fatal.
a morte da ópera já foi decretada por Zizek e Dolar e anteontem pela minha tia, que perguntou: ainda existe ópera?
por incrível que pareça, sim.
por incrível que pareça, existe gente fazendo espetáculo em que as pessoas desmaiam e vomitam e as atrizes sangram.
por incrível que pareça não existe só Madame Butterfly e Flauta Mágica - essa ária da Flauta Mágica você já ouviu com certeza:
por incrível que pareça tem gente escrevendo ópera hoje.
muito prazer, Luísa, libretista.
libretista é uma palavra linda: vem de libreto, que é o texto da ópera. é o enredo que está sendo contado e as letras das árias. eu acho libreto mais bonito que dramaturgia ou roteiro, apesar de cada palavra ser de um território diferente - do teatro e do audiovisual.
eu saí na busca de outras pessoas que estão escrevendo ópera e encontrei que, em 2022, 14 novas óperas estrearam no Brasil. não é pouca coisa, num momento em que muita gente só quer ver obras com 100, 200, 300 anos - quanto mais velho melhor - e de ataques e desinvestimento sistemático à cultura desde sempre.
eu escrevi A Dança da Morte pensando em muitas coisas que me tocam - o que começou como uma investigação de uma “síndrome de sobrevivente” pós pandêmica foi crescendo e ganhando outros contornos. uma epidemia de dança no século XVI me parece o surto coletivo a que estamos mais próximos de chegar agora que se aproxima o fim do mundo - que já estamos vivendo.
é uma forma de êxtase, libertação, ao mesmo tempo que é um grito de socorro. queria trazer uma mulher que não morre, uma sobrevivente, para o centro da história, em um gênero que sabidamente mata suas protagonistas. inclusive, há até um termo pra dizer de personagens que morrem nas óperas sem motivo aparente: morreu de morte operística.
penso que, nesse processo todo trabalhando com vida e morte - a nossa questão humana, eterna - vejo o lampejo de vida que existe numa arte que mistura música, teatro, dança, artes plásticas e tantas outras numa conversa em cima do palco. que além de mim, outras 5 pessoas do meu lado estão também escrevendo texto e música ancorada nos dias de hoje. sem dizer de toda a equipe criativa de direção musical, cênica, cenografia, figurino, iluminação e a equipe técnica do Theatro São Pedro. são dezenas de pessoas que nos deram confiança pra criar esse trabalho e que acreditam, sim, que a ópera não morreu, mas que vive de um jeito único e especial, que todo mundo merece conhecer.
Ateliê de Composição Lírica
Óperas:
YUGO SANO MANI
Aqui, uma ópera
Ópera dedicada à Orquestra do Theatro São Pedro com libreto de Dante Passarelli
GUSTAVO BONIN
Coro dos que não desistem nunca
Com libreto de Artur Kon
MARIA ROSA ARGANDOÑA TANGANELLI
Dança da morte
Ópera em um ato com libreto de Luísa Tarzia
Quando?
24/10 às 19h: Ensaio aberto, gratuito (retirar ingresso na bilheteria)
26/10 às 20h
27/10 às 17h
Onde?
📍 Theatro São Pedro - Rua Barra Funda, 171 - perto do Metrô Marechal Deodoro
Ingressos:
https://theatrosaopedro.org.br/evento/?id=50245