“Scared is what you’re feeling, brave is what you’re doing” - Emma Donoghue1 Medo é o que você está sentindo, corajoso é o que você está fazendo (tradução minha)
Acho que estou fazendo uma série sobre sentimentos. Pelo menos o que estou percebendo agora que escrevo.
Essa semana retomei alguns desafios que são muito difíceis de enfrentar. Sou atriz mas ano passado entrei em dois processos - um profissional, um amador - que não me fizeram bem, e optei por sair. Precisei de seis meses para me recuperar e voltar a buscar outros projetos como atriz.
Ontem fiz minha primeira audição em grupo em muito tempo. A última foi para um curta-metragem universitário, em 2019, que foi uma bagunça, eu não fiz o exercício proposto porque não entendi bem, mas improvisei e consegui o papel. Gravei o curta-metragem em uma diária numa granja na zona norte de São Paulo, com figurino de piriguete num frio de 15 graus, tendo que parar a gravação a cada 5 minutos pelo barulho do avião ou o piado dos pintinhos, e minha parceira de cena não tinha memorizado o texto e deu um escândalo porque eu não avisei que seu alarme do remédio que ela tomava, por causa de sua plástica, tocou. Nunca vi o resultado desse filme.
Audição, assim, profissional mesmo, nunca tinha feito. Era uma companhia que poderia me oferecer um contrato, com pagamento, de longo prazo, pra atuar. Coisa inimaginável para mim. Nunca tinha ouvido falar de uma companhia dessa abrindo audições de forma aberta, mande seu material e vamos ver, assim. Só o que vejo é projeto independente, invista uma porcentagem, projeto independente, sem cachê, projeto independente, receba porcentagem de bilheteria de um espetáculo sem público pagante.
Parecia bom demais pra ser verdade. Talvez fosse. O que não era bom demais era eu, sem confiança, destreinada e travada, fazendo jogos teatrais em que as pessoas estão me julgando. Já considero que me julgam mesmo, mas saber que estão me julgando realmente não me ajuda. Não consegui.
Processo seletivo é assim, você tenta um milhão pra conseguir zero, mas se você não tentar, como fica?
Fiquei esperando alguém bater na minha porta. Ninguém bateu.
Abri a porta e dei de cara com a rua. A rua tem lojas, calçadas, postes, lixeiras, carros, pessoas, motos, bicicletas, sujeira, música, graffitis, casas, curvas e retas. Tudo pode acontecer, inclusive nada.
Dentro de casa é quase nada, só que a ansiedade a quase tudo. Como uma criança que pede pra ganhar um brinquedo, ganhei e agora tenho medo da boneca me morder. Então deixo ela no canto, mas no estilo Fofão do mal, não consigo parar de olhar para ela. E se eu brincar? E se eu pegar? E se não tiver graça nenhuma? E se for tão legal que não quero largar? E se eu penso demais demais demais tanto tanto que não faço nem paro de pensar naquilo?
Então engatinhei, em direção àquele cantinho, e toquei o rosto da boneca. Depois, apertei o botão em que ela fala. Ela não disse nada. Apertei de novo, mais forte, ela respondeu: eu te amo você me ama?. Eu disse: eu não sei, Juju carente. Acho que não é sobre amor, sobre vontade, sobre desejo, é sobre não saber o que fazer e paralisar completamente.
Me perguntaram na audição dessa semana porque eu amava o teatro, como um quebra-gelo para começar.
Logo a pergunta que eu não estou sabendo responder.
Disse que gostava da criação, da colaboração, me fazia voar. E que eu tentei desistir mas o teatro não me deixou.
Não pegou bem. Mas é a verdade. Passei a vida fazendo teatro e me convencendo a cada vez que gostava daquilo de que não era pra mim. Muitos anos me atormentaram até que me convenci de que era pra mim o suficiente para ir estudar. Comecei a estudar, contra todos meus instintos de auto preservação, e estava começando a me acreditar. Veio a pandemia. Sobrevivi, literalmente, a ela, mas as marcas que carrego são refazer o trabalho de re-acreditar.
“Se você parar para refletir sobre um medo que superou, como o de montanha-russa, vai perceber que atrás dele existe muita vida. Para vencê-lo, a coragem precisa ser um exercício, um encontro marcado consigo mesmo.” Gustavo Arns (Gama Revista)
Assim como o exercício físico pós-carnaval, reencontro com a saúde e fim da esbórnia, estou tentando retomar esse exercício.
É preciso ter coragem para dizer o que sente. Sinto que sou muito covarde. Luísa Tarzia
Pra quem gosta dos meus comentários:
Essa foi a edição mais rápida que eu escrevi. Fui na coragem de realmente não me editar e fluiu bem mais do que imaginei. Incluiu também pouca revisão, fica o aviso.
Perguntei como vocês queriam ver meus poemas há um tempão e daí ignorei na edição seguinte kkkk desculpa. Mas é que eu tava escrevendo de um jeito em que o poema casava tão bem com o texto, que parecia criminoso tirar ele do meio. Nessa edição, não, mas encontrei esse poema temático que eu gosto muito. Então vou começar a trazer meus poemas no final, a menos que caibam no texto, porque daí não posso separar os bonitinhos.
Luísa Guimarães Tarzia é atriz e diretora, e tenta se convencer que é artista. Tá aprendendo a ser escritora com uma newsletter, porque escrever é fácil, o difícil é mostrar pros outros.